Ultimamente, tenho participado de algumas atividades beneficentes
destinadas principalmente a idosos, em asilos carentes da periferia de São
Paulo, são em torno de 10 asilos que visitamos em forma de revezamento, 1 por
mês. Levamos um pouco de comida, fraldas e alguns produtos de higiene, de
acordo com a necessidade de cada lugar. Entre amigos, fizemos uma campanha de
arrecadação de fraldas geriátricas muito bacana, um detalhe muita gente nem
lembra que existe, mas faz muita diferença no dia-a-dia da vida destas pessoas
Mas o principal, e sobre o que eu quero falar , não é
sobre os bens materiais que levamos. O mais importante, são os ouvidos e olhos
para fazê-los sentirem-se especiais novamente
A Dona celeste tem 84 anos. Casaco cor do céu, óculos redondos
e boca pequena, o que não impede de distribuir palavras doces e sorrisos
tímidos. Ela tinha 2 filhos, 5 netos e 5 bisnetos. Seus olhos brilham quando
fala deles. Infelizmente, sua filha mais velha morreu agora em outubro, com 70
anos. Sim, ela teve a primeira filha quando tinha apenas 14 anos, uma criança.
Imagina quantas histórias bonitas, ou nem tanto, ela ainda tem pra contas,
esperando apenas que alguém se interesse e guarde 20ou 30 minutos ao seu lado
para ouvir “A gente fica tão feliz quando vocês vêm aqui” disse ela. A gente
também fica Dona Celeste.
O Wilson é mais novo, 63anos. Homem forte sereno, olhos
grandes e redondos. Lúcido e atento trabalhava como segurança de um famoso empresário
de cantores. Durante 20 anos, protegeu e abriu espaço nas ruas e entradas de
shows para o Roberto Carlos, Ney Matogrosso -seu preferido, Rita Lee, Caetano Veloso,
Gal Costa, RPM, e mais um monte de artistas famosos. Gostava de viajar o Brasil
inteiro. Tinha dias, que mal chegava à São Paulo e suas malas já estavam
prontas pata outra viagem, nem saía do aeroporto. Eu falei pra ele que quando
eu cantava aqui no escritório, o pessoal ficava tirando um sarro e pedindo pra
eu parar. “Wilson, da próxima vez eu vou chamar você lá no escritório pra fazer
a segurança pra mim” Aí, ele deixou a serenidade de lado e sorriu
como criança que acaba de fazer um gol.
O Seu Ernesto é descendente de alemães. Tem 68 anos, e
garante que estava no asilo apenas como visitante e não mora lá. Muitos deles
têm esta impressão ou sensação. Eu diria que é uma proteção sobre sua
realidade. O Ernesto, muito simpático, tem um sorriso fácil e brilho nos olhos.
Cabelo curto, meio grisalho, olhos semicerrados quando sorri. Era tradutor
técnico em alemão, ainda trabalha, mas perdeu mercado por causa dos tradutores
da internet. “Aí, todo mundo acha que sabe fazer tradução” Em casa, desde
criança, a família só falava alemão, então foi fácil e natural. Agora o tempo
andou, e ele só estava de visita, talvez este fosse o caminho para poder sorrir
o dia inteiro em lugares que, apensar de todo o cuidado e dedicação dos
mantenedores, carecem de encontros, toques e abraços.
Foi uma tarde que passou rápida. Muitos outros estão lá,
fora de lá, espalhados pelo mundus todo, ou em nossas próprias casas, a espera
de um olhar, um abraço, um ouvido, um entendimento, Às vezes a gente pensa que
porque as pessoas perdem a capacidade motora, elas perdem a capacidade de
sentir pensar e amar.
No fundo, quem perde somos nós que deixamos de acreditar
nelas.
[Maurício Simões também vai envelhecer e vai precisar do
seu abraço.]