terça-feira, 27 de novembro de 2012

Confissões de um viciado em informação


E-mail. Twitter. Facebook. Google Reader. Passo por todos, depois repito. Esse ciclo é capaz de durar muitas horas, e não porque a torneira de informações novas foi fechada - há de se trabalhar e viver, e isso não está contido em redes sociais ou feeds de notícias e textos.
Não é difícil já achar diversas opiniões embasadas por estudos dizendo que a era de informação de alta frequência faz mal para a cognição: somos levados a valorizar a superficialidade, criar um viés que considera mais importante a informação mais recente, perdemos a perspectiva e a capacidade de concentração. Ainda sou uma pessoa que lê muitos livros, mas começo cinco ou seis antes de terminar um. Leio dez páginas, pulo para o outro, que trata de assunto completamente distinto do primeiro. Leria muito mais se não gastasse tanto tempo com o ciclo que descrevi acima.
Para quem, como eu, trabalha com o mercado financeiro, informação de alta frequência é ao mesmo tempo vital e enganosa. É preciso saber de preços em tempo real e tomar decisões com base nos movimentos deles; ao mesmo tempo, estamos sempre tentando enxergar algo primeiro mesmo onde não há nada a ser enxergado, ou tentando buscar explicações para movimentos irrelevantes. O euro caiu? Deve ser porque estão tacando fogo em carros na praça central de Atenas. Petróleo subiu? Tensão no Oriente Médio. E por aí vai, sem rigor, sem esforço, sem coragem para tentar argumentar que, muitas vezes, um charuto é só um charuto e o movimento de preços em um dia pode ser amplamente motivado pelo acaso.
Há o que fazer, claro. Equivalentes informáticos a adesivos de nicotina, softwares ajudam você a determinar horários para que o computador permita você desviar a atenção para a internet e e-mail. Sobretudo, é possível fazer uma conta simples e perceber quanta coisa você poderia fazer caso gastasse menos tempo olhando para uma tela. Não é fácil, claro, mas em algum momento passa a ser necessário para cultivar alguma sanidade. Pensem nisso, enquanto vou ver o que há de interessante no Twitter


Luciano Sobral, trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Who will only fly for freedom?

O dia é 13 de abril de 2011 e estamos no meio de um show do U2 no estádio do Morumbi, São Paulo. 360ºTour. Uma das maiores bandas do planeta viaja suas melodias e letras entre protestos de paz e pedidos de amor, alguns declarados, outros sutis, em frente a uma multidão em êxtase. Indescritível.
Coreografias, cenários, textos, imagens, fazem você sentir e realmente acreditar na possibilidade de um mundo e pessoas melhores, mais unidas e justas.
Numa das suas músicas – Walk On – a banda faz referência à ativista de Myanmar Aung San Suu Kyi, a terceira dos filhos de Aung San, herói do país e um dos líderes na proclamação de sua independência, assassinado em 1948.
Ausente de Myanmar (na época chamada Birmânia), retorna em 1988 para cuidar da mãe. Durante a eleição geral de 1990, a LND, partido liderado por Suu Kyi, obteve 59% dos votos em todo o país, conquistando 81% dos assentos no parlamento - o que deveria fazer dela a primeira-ministra da Birmânia. No entanto, pouco antes das eleições, ela foi detida e colocada em prisão domiciliar, condição em que viveu por quase 15 anos.
Alguns meses antes deste show, Suu Kyi foi libertada pela Anistia Internacional. Em 1° de abrilde 2012, foi eleitadeputada pela Liga Nacional pela Democracia.
A música havia sido escrita 10 anos antes.
 
WALK ON
And love is not the easy thing
The only baggage that you can bring...
And love is not the easy thing....
The only baggage you can bring
Is all that you can't leave behind

And if the darkness is to keep us apart
And if the daylight feels like it's a long way off
And if your glass heart should crack
And for a second you turn back
Oh no, be strong

Walk on, walk on
What you got they can't steal it
No they can't even feel it
Walk on, walk on...
Stay safe tonight

You're packing a suitcase for a place none of us has been
A place that has to be believed to be seen
You could have flown away
A singing bird in an open cage
Who will only fly, only fly for freedom

Walk on, walk on
What you've got they can't deny it
Can't sell it, or buy it
Walk on, walk on
Stay safe tonight

And I know it aches
And your heart it breaks
And you can only take so much
Walk on, walk on

Home... hard to know what it is if you've never had one
Home... I can't say where it is but I know I'm going home
That's where the hurt is

And I know it aches
And your heart it breaks
And you can only take so much
Walk on, walk on

Leave it behind
You've got to leave it behind

All that you fashion
All that you make
All that you build
All that you break
All that you measure
All that you feel
All this you can leave behind

Maurício Simões ouve U2 desde 83.



terça-feira, 13 de novembro de 2012

Lance Armstrong e os heróis

Quando a casa caiu para o ciclista Lance Armstrong, meu mundinho também caiu. Ele era bom demais para ser verdade. Um atleta carismático que supera uma doença terrível para conquistar um dos títulos mais difíceis do esporte, o Tour de France. Mas não era só isso, ele foi lá e fez de novo e de novo e de novo, numa sequência nunca antes vista. Depois se aposentou desse esporte, abriu uma ONG de enorme sucesso e foi mostrar seu talento primeiro na maratona e depois no triatlo. E depois ainda voltou em grande estilo ao Tour. E fez tudo isso cercado de adversários pegos no antidoping enquanto ele passava incólume por centenas de testes. Ele era o nosso super-herói! Mas como todo super-herói tem seu ponto fraco, um herói de carne e osso tem o caráter humano, tão falivelmente humano.

Quem não quer ser herói? Um dos livros mais incríveis que li é o “Impensável” de Amanda Ripley. Nele, ela disseca o que é ser um herói. Fala da idade (jovem), do gênero (homem), solteiro (menos laço) e sem ele tem filhos (não). O herói vive em cidade pequena, tem mais laços com os “seus” protegidos. Essa é a regra. Mas o mais importante, amamos os heróis. Se eles não existem como no cinema e nos gibis, vamos atrás dos que estão aqui na Terra e são como nós.

O esporte nos oferece heróis às dezenas. Quem não quer “salvar” seu país num Mundial? Defender o pênalti na Copa? Depositamos nos heróis atléticos aquilo que muitos tentaram e não conseguiram. Mas aí vem a decepção... e o que fazer quando você oferece tanto (mas tanto!) e ele te trai?? Justo ele que estampa pôsteres na parede? E aquela pulseirinha que você usava orgulhoso porque ajudava pessoas doentes?

Um dos filmes mais fantásticos sobre super-herói é o Dark Knight (Batman). Já no finalzinho se ouve uma fala que diz que a cidade precisa de um herói de verdade, sem máscaras. Mas o que é um herói se não alguém também cheio de defeitos?

Mas até onde toleramos esses defeitos? O que fazer? Aceitar as mentiras dele? Inventar argumentos mentirosos com você mesmo para continuar do lado dele? Não, não dá. Muitos estão fazendo isso, mas eu não consigo. Prefiro aceitar que errei feio acreditando nele. Não foi qualquer mentira que Lance cometeu. Ele mentiu quando foi questionado sob juramento. Ele nos fez acreditar que ele era tudo aquilo que prometia, justo o que fazia dele tão especial. Ele nos traiu de uma forma como nunca tinha sido feito antes, não com toda essa intensidade.

Se até outro dia Lance liderava um gigantesco pelotão de fãs que o seguiam sem pensar, hoje ele nos fez lembrar que alguns heróis humanos são fantasias como contos de fadas. Muito triste.

 
 
 
 
Danilo Balu
 
 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DUMBARIBORÓ, La Pachamama segue sonriendo,ou melhor , haciendo sorrir…

Uma foto, mesmo longe de ser um primor da arte de retratar uma paisagem, permite-nos algumas considerações.
Há um texto do Monteiro Lobato que fala no sorriso geológico, de quem vê, olha e compreende. Pretendo através de uma foto deste lugar mágico, uma paisagem de estarrecer qualquer ser humano dotado de visão, mostrar como quase sempre o ser dotado de algum interesse geológico permanece apaixonado pela Pachamama (como o povo andino chama a mãe Terra).

Partamos do ponto focal desta foto…


 

… uma ilhota, rodeada por quilômetros de sal, ilha Incahuasi, Salar de Uyuni, em  meio  à planície do sal, das mais planas que se vê por ai; um altinho topográfico ressalta nesse depósito atual de sal, resquício de um mar que ficou aprisionado entre (e dentre) o surgimento (surgimento, seria o equivalente a crescimento em altura, para o analfabeto geológico, ou soerguimento no geologuês básico) da cadeia de montanhas, a cordilheira, Andina.
Basicamente é um retão do caramba para qualquer lado que se ande (60.000 km2 segundo o guía), uma superfície de no máximo 10m de sal duro, cristalizado, sobre uma grande profundidade de uma solução de água e muitos sais dissolvidos.
Usemos agora o aparato cerebral humano, associado à seu sistema de captação visual (vulgo, olho), aditivado de algum saber geológico. Debaixo de algum cacto cujo crescimento dura centenas à milhares de anos, umas camadas de calcários, que nada mais são do que corais (como esses que se desenvolvem em mares tropicais hoje  em dia) que cresceram sobre fragmentos de rochas vulcânicas. Ou seja, invertendo a descrição acima, havia um mar, depois na sua borda surgiram vulcões, desses vulcões rolaram muitos fragmentos de rocha para dentro desse mar, formando um alto topográfico, nesse alto , num momento em que o mar estava alguns metros acima do nível atual de sal, formaram-se corais. Com a continuidade da formação dos Andes o mar foi secando, o nível da água diminuindo e o salar se depositando (salar, no geologuês é chamado de evaporito, por ser resultado da evaporação de um corpo de água).
Dessa forma, uma simples mirada sobre um paisagem (uma não, duas ou três, pois utilizaremos um recurso muito comum à visão geológica, o zoom) pode nos transportar a diferentes estágios evolutivos dessa linda historia da Pachamama, que vive num tempo muito distinto daquele que nos habituamos a ver passar…



 
 
Manuel Correa, da região de Atacama, voltando do salar de Uyuni, lugar onde qualquer um se encanta com a Pachamama e sua geología…04.11.2012