terça-feira, 31 de julho de 2012

Animais Olímpicos


O homem é o único animal que, dentro de uma gaiola metálica em forma de semicírculo, gira algumas vezes ao redor do próprio eixo e lança um disco de metal a mais de 70 metros. O único que se pendura em argolas a quase três metros do solo e faz manobras envolvendo enorme esforço muscular e concentração, o único que anda 50 quilômetros cuidando para não tirar os dois pés do chão ao mesmo tempo, o único que usa uma raquete para surrar uma peteca de penas de ganso (sempre as da asa esquerda, melhor preservadas porque consta que o animal sempre dorme em cima de seu lado direito). A cada quatro anos, outros animais deslocam-se para uma cidade com a intenção de assistir a seus companheiros animais competirem nessas e outras atividades de regras estritas e arbitrárias. Milhões de outros acompanham as competições pelos meios de comunicação, quase nunca indiferentes e frequentemente fascinados.

Os animais-espectadores, no geral, torcem pelos animais-competidores que falam suas mesmas línguas e pagam impostos para as mesmas causas comuns. Como mutações genéticas e migrações há milhares de anos moldaram as características físicas de cada grupo de animais é um dos fatores de importância para determinar a qual conjunto de regras os espécimes competidores se adaptam melhor. Outros são produtos de conquistas e migrações mais recentes, anos de investimento e treinamento, tecnologia, puro acaso.

A trajetória de alguns animais-competidores por vezes é tão excepcional que atrai as atenções e emoções dos animais-espectadores apesar de suas diferenças de linguagem e outras animosidades. Neles os animais-espectadores enxergam o triunfo de sua espécie, sua tenacidade, capacidade de adaptação e concentração, força e inteligência. Não raro, animais-espectadores vêem-se de olhos arregalados, olhando para um estranho aparelho emissor de luzes coloridas capaz de transformá-las em imagens de alta definição, chorando e vibrando com o desempenho de seus companheiros de espécie naquelas estranhas competições.

Aos animais vencedores cabem discos de metais raros pendurados por uma fita. Aos derrotados, algo entre o consolo de saber que estão entre os melhores exemplares de sua espécie e a frustração por terem sido superados por outros ainda melhores. Ambos, na maioria dos casos, ainda viverão por muitas décadas depois de passado o esplendor físico, terão muito tempo para serem louvados ou esquecidos, buscar conquistas em outros campos, contar suas histórias e com elas inspirar ou desestimular outros animais.

O homem é o único animal capaz de interpretar uma série de sinais gráficos emitidos por outros homens e transformá-los em ideias e emoções. O homem é o único animal capaz de articular ideias e emoções. O homem é um conjunto de impossibilidades, uma soma quase infinita de probabilidades muito baixas, o mistério mais impenetrável da natureza.

Luciano Sobral, trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo.




quinta-feira, 26 de julho de 2012

Episódio III- da Arte de Mapear que vêm desde os tempos da pedra lascada


Pousar a vista sobre uma parede de rocha repleta de pinturas feitas há milhares de anos, tem sobre um ser humano, algo curioso, permite um devaneio.
Outro dia me detive a olhar um certo painel.

Painel pode ter sua definição em dicionários consagrados, mas para mim um painel  como outro qualquer, um outdoor, uma pintura, um site, nesse caso materiais não convencionais nos padrões artísticos de hoje; óleos, variados, uma verdadeira alquimia, sobre pedra. No caso arenitos lindos da Serra da Capivara. Motivos os mais variados, muitos personagens, muitos remontavam à ligações diretas (pelo menos muy mas directas que a grande maioria dos serres humanos tem hoje em dia) com as divindades, dezenas de outros são cenas repletas de movimento...pelo menos é o que transparecem aos meus olhos, cambalhotas, brincadeira de balançar a criança pegando em seus pês e mãos, pirâmides humanas, a incrível caça do tatu, nascimento e o Beijo.



                     
                        




Hoje o mundo se diz global, influencias múltiplas que se cruzam, sempre, à toda hora, mas basta ver muitas dessas culturas e em seus habitats, os tamanhos contrastes que existem são riquíssimos. Cada tipo, cada manifestação humana mais peculiar, porém quanto mais se vê as pessoas por ai, mas assustador é, como pode o ser humano ser tão distinto, tão múltiplo e mesmo assim continuar comungando muito, muito, muito mesmo.

Voltando às pinturas dos Primeiros homens, mais precisamente na exuberante caatinga, canto endêmico dessa “sudamérica”, de paisagens lindas e variadas, inesperadas. Trata-se de um acervo artístico, ali registrado, há milênios em rochas depositadas há milhões de anos, de valor histórico-artístico incalculável, pois são grutas e mais grutas que se entrelaçam por trilhas em meio a densa caatinga, nos paredões e cânions, belos salões bem ornamentados por grandes painéis, grandes “afrescos”, grafites. Como estilo artístico inegavelmente são os percursores de grandes artistas; de mestres do renascimento à pintores das ruas atuais.

Viajar para um lugar desses, transpor seu corpo e mente, e se deparar com a arte feita por um ser bípede, que lá já estava pensando, vivendo, vendo o movimento ao seu redor, se movimentando e ornamentando seus templos, mostra que há alguma coisa comum e inseparável à todos os seres humanos que já viveram: a capacidade de mover-se, ver e aprender e louvar seus símbolos.

Além da capacidade de errar, tem o ser humano, desde sempre, a capacidade de criar seus mapas. Ai vemos muitos desses mapas representados nas paredes da Serra da Capivara, muitas vezes duas dimensões usadas para representar infinitas outras. Para aquele que pretende acompanhar meus causos saiba que a linha de costura desse dumbariboró (saco sagrado que abriga a caderneta) são mapas, mapas, mapas e mais mapas, e a capacidade nossa de representar ínfimas e infinitas esferas da realidade em duas dimensões....a arte de mapear vem desde os tempos da pedra lascada, sigamos mapeando....

Por isso tudo, vale muito a pena uma viagem para nossa caatinga, Petrolina possui aeroporto com conexões à Salvador e Recife e esta a pouco mais de 200 km São Raimundo Nonato-PI por estradas, que dizem estar em boas condições. Além dos atrativos que tentei expor acima, existem muitas atrações que podem ser agregadas à uma viagem dessas ( a depender do interesse), vou cita-las sem me deter em atrativos e distancias: região vinícola e produtora de frutas no São Francisco, o lago de Sobradinho, a Chapada Diamantina mais a sudeste, a serra do Cariri e a Chapada do Araripe, fosseis incríveis e toda a cultura do cangaceiro, o berço do rei do baião Luiz Gonzaga. Para os mais animados em percorrer estradas na caatinga uma travessia até delta do Parnaiba passando pelos parques do Piauí...e por ai vai....
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terça-feira, 17 de julho de 2012

Somos iguais, parecidos, mas também bem diferentes.


O ser humano gosta de simplificar as coisas buscando explicação pra elas. A generalização não deixa de ser um pouco desse exercício, de poder entender o outro e o ambiente. Entre tantas coisas é esse ato de generalizar que torna o italiano extrovertido e barulhento, o japonês introvertido, o americano arrogante e nós brasileiros um povo alegre.

Nada como a experiência pra ver que essa regra é tola porque ela é falsa e faz ficarmos cego às pequenas coisas. Você chega a um país frio como a Suíça e sem pedir ajuda se vê acolhido como se estivesse na pequena cidade de interior de seus pais. Você chega à Argentina e conhece por lá muitos fãs do nosso futebol, como que se fosse um adversário reconhecendo méritos do outro lado.

A convivência é um exercício de tolerância. Os hábitos são tão diferentes que às vezes ter que conviver ali tão próximo a você é um exercício de paciência. Se sair da zona de conforto é algo que devemos praticar para sermos pessoas melhores, entender e aceitar como o outro se comporta também já nos faz melhor.

Fronteira não são necessariamente barreiras físicas, são limites imaginários que colocamos. Entretanto, se séculos fizeram com que povos tão próximos ficassem tão diferentes, por outro lado é animador que mais viagens tornem possível diminuir diferenças ao mesmo tempo em que possamos experimentar e presenciá-las in loco.

Viajar é sempre um prazer. Tímido, me obrigo a interagir onde estou. É meu exercício pessoal de sair da zona de conforto e tentar aproveitar mais uma viagem, porque acho que é nessa interação que você descobre muita coisa que milhões de fotos não poderiam fazer melhor. E é justamente quando você interage com pessoas no mesmo local, porém de culturas e hábitos tão distintos que você que o ser humano é um ser tão especial, que só uma tolice pra dizer que a nacionalidade determinaria como ele é.

Foi viajando que conheci japoneses italianos, americanos argentinos e africanos latinos. E esse convívio que graças à internet agora podemos manter tão mais facilmente, mostra pra você que somos tão diferentes, mas também tão parecidos. E isso não tem nada a ver com o local onde você nasceu, mas o que você busca quando sai de seu país atrás de experiências tão gostosas.

Danilo Balu, Administrador Esportivo 



terça-feira, 10 de julho de 2012

Local de Encontro



Nas agências e operadoras de turismo as viagens costumam ser detalhadas em horários, chegadas, partidas, traslados. Data de saída e de chegada. Cidades, hotéis e monumentos. Mas a viagem real começa muito antes do carimbo no passaporte ou do visto da alfândega. A viagem começa dentro de cada um.

Viajar é uma atitude. A maneira como você se prepara para encarar coisas novas, dificuldades, desafios, temperatura, comida diferente, língua desconhecida, gente nova, o que quer que seja, já é um passo e meio para a sua satisfação, seja para frente ou para trás. Se você encara que o desafio traz aprendizado, você se abre para o lado positivo do fato. E por si só, ele já se torna recompensador. Mas quem não conhece alguém que, muito antes de saber o que realmente vai acontecer, já está reclamando por antecedência do cansaço, da comida, do calor, do calçado ou do primeiro imprevisto que não esteja na zona de conforto?

O aprendizado vem fora da zona de conforto.

É engraçado ver como uma mesma situação num mesmo lugar, tem o poder de despertar sentimentos tão distantes em grupos diferentes. E em boa parte destes momentos, o que mudou foi o preparo interno de cada um e o quanto cada um estava aberto para o novo. A sua interpretação é só sua, feita da sua sensibilidade e capacidade de compreender, lapidadas pelas experiências vividas.

Viajar é descobrir-se. E o local de encontro, não importa onde nem quando, será sempre dentro de você mesmo.

Maurício Simões é publicitário , engenheiro e gosta de viajar.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Gente que encontrei

Magali é francesa, vive perto de Paris. Apaixonada por aviões desde sempre, queria ser piloto de caça da Força Aérea Francesa. Não conseguiu entrar no curso, teve que se contentar em estudar engenharia aeronáutica e hoje chefia o controle de voo do pequeno aeroporto Paris-Charles de Gaulle. Outras das paixões de Magali são a natação (chegou a fazer parte da seleção nacional) e a África - nas longas férias que o estado de bem-estar social francês oferece, ela já fez trabalho voluntário em Senegal e no Togo; quando a encontrei, estava na Etiópia, sozinha, com uma mochila nas costas, conhecendo a região da depressão de Danakil (lugar mais quente do mundo, perto da fronteira com a Eritréia) e planejando um trekking para as montanhas do Parque Nacional de Bale. Loira, bonita, simpática e sempre de bom humor, divertia-se negando as investidas dos encantados e encantadores etíopes.

Fernando é um índio Pemon, povo que vive na região do encontro das fronteiras entre Brasil, Venezuela e Guiana. Fernando fala Pemon, Espanhol, Inglês e Alemão; trabalha para uma agência de turismo sediada na Venezuela, controlada por alemães e que organiza viagens para as espetaculares atrações naturais da região - o Monte Roraima, o Salto Angel (maior queda d’água do mundo) e a Lagoa de Canaima, entre outras. A pergunta que todo turista faz é como Fernando aprendeu alemão; ele abre um sorriso e começa a contar a história de uma visitante de Munique com quem teve um caso, e, voltando para a Europa, havia prometido uma passagem para que ele a visitasse. A passagem chegou, e lá foi o Fernando para Munique, voo com escala em Roma. Lá a imigração estranhou aquele índio que mal falava Inglês viajando com pouco mais do que a roupa do corpo. Ele ficou um par de dias detido na famigerada “salinha”, até que a alemã conseguiu localizá-lo. Tudo resolvido, viveu um ano na Alemanha, um dia acabou a paixão e ele voltou para a savana venezuelana.

Lode é belga, da Valônia. Trabalha como enfermeiro geriátrico, mas só até juntar algum dinheiro e sair pelo mundo. Nesse esquema, já conheceu quase toda a Ásia, passou meses ensinando Inglês no Irã e, quando o encontrei, em La Paz, estava numa longa viagem pela América Latina, da Patagônia ao México. Derrubamos várias caipirinhas (de rum com açúcar mascavo, terrível...) no bar Mongos, favorito dos expatriados na capital boliviana. Voltaria para a Bélgica quando acabasse o dinheiro, emprego não faltava, a ocupação é especializada, não paga bem a ponto de atrair novos profissionais e o país é rico e cheio de idosos precisando de cuidado. Espero que isso não tenha mudado com a crise...

Abdullah é um mito entre os mochileiros que passeiam entre Líbano e Síria. Em qualquer ponto do circuito turístico, se você menciona que vai a Hama (linda cidade 200km ao norte de Damasco, onde é possível hospedar-se para visitar as ruínas romanas de Palmira e Afamia) e seu interlocutor já passou por lá, este invariavelmente vai recomendar que você fique no hotel Riad e mande lembranças a Abdullah, o dono. Lá a hospitalidade levantina é praticada à perfeição: enquanto você se acomoda, chega o chá, escaldante e doce de doer os dentes. Na área comum, joga-se gamão (Abdullah é quase imbatível, claro), pode-se ler, comer (sempre tem alguém cozinhando, sempre a comida é oferecida a quem estiver lá) e, sobretudo, conversar: sobre destinos passados e futuros, livros, línguas, costumes e tudo mais que aparecer, com outros viajantes, os funcionários do hotel ou moradores da cidade que passam por lá para ter contato com estrangeiros. Há quem fique dias no Riad, sem ir para nenhum destino turístico, saindo de vez em quando para ir ao mercado e aproveitando o clima de casa do tio mais bacana. Na hora de partir, é inevitável a sensação que o poeta descreveu como “vontade de ficar, mesmo tendo de ir embora”. Você abraça Abdullah, ouve um “good bye, my friend” com sotaque australiano (não pergunte de onde veio) e se promete que um dia vai tentar voltar a Hama. A cidade é hoje um dos principais focos de oposição ao presidente al-Assad, e já perdeu, estima-se, quase 2,000 cidadãos desde o início dos protestos, no ano passado.

Conhecer gente como Magali, Fernando, Lode e Abdullah é um grande bônus aos já conhecidos prazeres de viajar, dos melhores antídotos para as conversas chatas de café de escritório e as muitas pessoas pasteurizadas da rotina. Em qualquer destino que se escolha, vai ter gente que foi parar lá provavelmente por motivos parecidos com os seus, e esse já é um ponto de partida para um bom papo. Conhecer gente de origens e histórias diferentes é o melhor jeito que conheço de aumentar nossa compaixão e tolerância, e isso é das coisas que nos faz mais humanos.

Luciano Sobral, trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo.