terça-feira, 3 de julho de 2012

Gente que encontrei

Magali é francesa, vive perto de Paris. Apaixonada por aviões desde sempre, queria ser piloto de caça da Força Aérea Francesa. Não conseguiu entrar no curso, teve que se contentar em estudar engenharia aeronáutica e hoje chefia o controle de voo do pequeno aeroporto Paris-Charles de Gaulle. Outras das paixões de Magali são a natação (chegou a fazer parte da seleção nacional) e a África - nas longas férias que o estado de bem-estar social francês oferece, ela já fez trabalho voluntário em Senegal e no Togo; quando a encontrei, estava na Etiópia, sozinha, com uma mochila nas costas, conhecendo a região da depressão de Danakil (lugar mais quente do mundo, perto da fronteira com a Eritréia) e planejando um trekking para as montanhas do Parque Nacional de Bale. Loira, bonita, simpática e sempre de bom humor, divertia-se negando as investidas dos encantados e encantadores etíopes.

Fernando é um índio Pemon, povo que vive na região do encontro das fronteiras entre Brasil, Venezuela e Guiana. Fernando fala Pemon, Espanhol, Inglês e Alemão; trabalha para uma agência de turismo sediada na Venezuela, controlada por alemães e que organiza viagens para as espetaculares atrações naturais da região - o Monte Roraima, o Salto Angel (maior queda d’água do mundo) e a Lagoa de Canaima, entre outras. A pergunta que todo turista faz é como Fernando aprendeu alemão; ele abre um sorriso e começa a contar a história de uma visitante de Munique com quem teve um caso, e, voltando para a Europa, havia prometido uma passagem para que ele a visitasse. A passagem chegou, e lá foi o Fernando para Munique, voo com escala em Roma. Lá a imigração estranhou aquele índio que mal falava Inglês viajando com pouco mais do que a roupa do corpo. Ele ficou um par de dias detido na famigerada “salinha”, até que a alemã conseguiu localizá-lo. Tudo resolvido, viveu um ano na Alemanha, um dia acabou a paixão e ele voltou para a savana venezuelana.

Lode é belga, da Valônia. Trabalha como enfermeiro geriátrico, mas só até juntar algum dinheiro e sair pelo mundo. Nesse esquema, já conheceu quase toda a Ásia, passou meses ensinando Inglês no Irã e, quando o encontrei, em La Paz, estava numa longa viagem pela América Latina, da Patagônia ao México. Derrubamos várias caipirinhas (de rum com açúcar mascavo, terrível...) no bar Mongos, favorito dos expatriados na capital boliviana. Voltaria para a Bélgica quando acabasse o dinheiro, emprego não faltava, a ocupação é especializada, não paga bem a ponto de atrair novos profissionais e o país é rico e cheio de idosos precisando de cuidado. Espero que isso não tenha mudado com a crise...

Abdullah é um mito entre os mochileiros que passeiam entre Líbano e Síria. Em qualquer ponto do circuito turístico, se você menciona que vai a Hama (linda cidade 200km ao norte de Damasco, onde é possível hospedar-se para visitar as ruínas romanas de Palmira e Afamia) e seu interlocutor já passou por lá, este invariavelmente vai recomendar que você fique no hotel Riad e mande lembranças a Abdullah, o dono. Lá a hospitalidade levantina é praticada à perfeição: enquanto você se acomoda, chega o chá, escaldante e doce de doer os dentes. Na área comum, joga-se gamão (Abdullah é quase imbatível, claro), pode-se ler, comer (sempre tem alguém cozinhando, sempre a comida é oferecida a quem estiver lá) e, sobretudo, conversar: sobre destinos passados e futuros, livros, línguas, costumes e tudo mais que aparecer, com outros viajantes, os funcionários do hotel ou moradores da cidade que passam por lá para ter contato com estrangeiros. Há quem fique dias no Riad, sem ir para nenhum destino turístico, saindo de vez em quando para ir ao mercado e aproveitando o clima de casa do tio mais bacana. Na hora de partir, é inevitável a sensação que o poeta descreveu como “vontade de ficar, mesmo tendo de ir embora”. Você abraça Abdullah, ouve um “good bye, my friend” com sotaque australiano (não pergunte de onde veio) e se promete que um dia vai tentar voltar a Hama. A cidade é hoje um dos principais focos de oposição ao presidente al-Assad, e já perdeu, estima-se, quase 2,000 cidadãos desde o início dos protestos, no ano passado.

Conhecer gente como Magali, Fernando, Lode e Abdullah é um grande bônus aos já conhecidos prazeres de viajar, dos melhores antídotos para as conversas chatas de café de escritório e as muitas pessoas pasteurizadas da rotina. Em qualquer destino que se escolha, vai ter gente que foi parar lá provavelmente por motivos parecidos com os seus, e esse já é um ponto de partida para um bom papo. Conhecer gente de origens e histórias diferentes é o melhor jeito que conheço de aumentar nossa compaixão e tolerância, e isso é das coisas que nos faz mais humanos.

Luciano Sobral, trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo.

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