terça-feira, 23 de outubro de 2012

Livros (de papel, claro)

Tento sempre fugir das reclamações de que "na minha época isso era melhor" ou "no futuro isso vai piorar muito". Por mais que as tentações sejam grandes, sei que muito dessas percepções, por vezes disfarçadas de reflexões profundas e sábias, é fruto de vieses da mente humana, quase tão inevitáveis e irracionais quanto afastar a mão bruscamente quando se encosta em algo quente. A memória é sempre caprichosa, fantasia o passado e é míope para o presente.
Mesmo assim, ainda não consegui parar de me lamentar com o possível fim (ou pelo menos brutal queda na importância) do livro impresso. Já tinha passado pelo choque de ver que todos os meus CDs, acumulados ao longo de anos e a um custo não pequeno, passaram a caber num disco rígido do tamanho da minha mão e poderiam ter sido quase todos adquiridos a custo zero. Quando a Amazon apareceu com o Kindle, torci para que entrasse para a categoria de micos tecnológicos, produtos que não encontram público, como o videolaser. Qual o que, como diria o poeta. Em poucos anos a venda de livros eletrônicos superou a de livros físicos, e agora olho em desespero para os metros de prateleiras repletas de livros que tenho, pensando que eles não terão valor nenhum para os meus descendentes. Muito provavelmente eles não vão entender a vantagem de guardar aquele monte de papel quando se pode ter, ao alcance dos dedos, o mesmo conteúdo. Em defesa do livro de papel, há quem diga que o processo de leitura e retenção de conhecimento é muito superior neste. Cria-se uma relação com o livro que não existe com o arquivo eletrônico; um livro é muito mais do que seu conteúdo: é a edição, a capa, o momento em que foi lido, para onde ele foi carregado, quantas manchas de café as páginas guardam. Tudo isso provavelmente será ignorado, em nome de uma "praticidade" que é marca do tempo - dane-se a "experiência", o livro eletrônico é mais barato e mais fácil de ser carregado e consultado, ponto.
Crio alguma esperança em dias como hoje, um domingo, quando entro numa livraria espetacular e vejo que está cheia, com fila nos caixas, pilhas de lançamentos, gente conversando, descobrindo novos títulos, expondo-se a pequenos acasos. Quem sabe neste caso a marcha da dita eficiência encontre nos leitores um grupo de "irredutíveis gauleses", dispostos a ignorar um pouco a tecnologia em nome do prazer de ler, rabiscar, emprestar e guardar um livro impresso.


Luciano Sobral, trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo.

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