Daqui a alguns meses, depois de 33 anos morando em São Paulo, me
despeço, temporariamente. O fato de, nesse tempo todo, eu nunca ter saído da
cidade por mais que algumas semanas diz tanto sobre a minha preguiça para
mudanças quanto a incrível quantidade de oportunidades, em todos os aspectos da
vida, que encontrei aqui. É bastante fácil não gostar de São Paulo, sobretudo
pela maldita trindade poluição / violência / trânsito; amar a cidade leva muito
tempo, o suficiente para desenvolver certo senso de resignação e esquecer que
existem lugares melhores no mundo (e, de qualquer maneira, o Tejo é belo, mas
não é o rio que passa por aqui). Abaixo uma lista meio preguiçosa das coisas
das quais acho que vou sentir saudades no próximo par de anos:
- Pastel de feira, clichê entre os clichês, mas minha comida de rua
preferida do mundo todo. Mais ainda por, geralmente, carregar um gostinho de
subversão, por estar se entupindo de massa frita, carne moída e queijo
derretido antes de colocar qualquer outra coisa no estômago no dia (aliás,
pastel existe em três sabores: carne, queijo e palmito. As demais variações são
perversões desnecessárias do conceito). Feira livre também é uma delícia, mas
esta tem equivalentes fora daqui (infelizmente não necessariamente com vendedores
tão bem humorados).
- Poder beber na rua, sem necessidade de esconder a lata ou garrafa em
um ridículo saquinho de papel. Poder comprar bebida a qualquer hora, em
qualquer lugar, privilégio que muitos habitantes de paraísos da liberdade no
mundo não têm.
- Os shows do SESC. O modelo do SESC tem muito do que detesto no Brasil,
sustentado por contribuições compulsórias e regressivo por natureza. Nesse
caso, porém, vou ser egoísta e julgar pelos resultados, não pelo princípio.
Como acho que ouvir música ao vivo é das atividades mais sublimes a que podemos
nos dedicar, devo muitos dos pontos altos da minha vida ao SESC. Lá vi Banda
Mantiqueira, Paulo Vanzolini, Paulinho da Viola, Ornette Coleman, Christian
Scott, Chris Potter, Andre Mehmari & Hamilton de Holanda, Hermeto Pascoal,
Yusef Lateef, Rosa Passos, etc, etc, etc; tudo barato, organizado, com ótima
infraestrutura e em horários decentes. Civilização deve ser algo desse tipo.
- Os botecos, lugares mágicos onde o tempo se comprime e horas vão
passando entre conversas sérias e reflexivas, discussões que nunca levam a
lugar nenhum, bobagens irrepetíveis em outros ambientes, chopes, petiscos e
talagadas irresponsáveis de steinhäger ou cachaça. Poucas coisas me deixam mais
feliz do que reservar uma tarde e uma noite (e, possivelmente, a manhã
seguinte, para lidar com a ressaca) para se dedicar a isso. Rei das Batidas, Zé
Gordo, Pirajá, São Cristóvão, Empanadas, Frangó, Veloso, Zur Alten Mühle, Léo e
aquele bar anônimo de esquina, que não fecha nunca e sempre tem cerveja gelada
e uns petiscos meio suspeitos numa vitrine aquecida, um top 10 de coração.
- Andar na avenida Paulista, que pra mim segue sendo uma atração
turística de primeira, dos melhores lugares que conheço para simplesmente ver
gente (claro que também ajuda o monte de cinemas, livrarias, bares e
restaurantes ao redor).
- Poder dirigir duas horas e meia (OK, com alguma sorte) e chegar às
praias que são acompanhadas pela Rio-Santos. O litoral de São Sebastião a
Ubatuba é magnífico, não deve nada a outros mais falados (mas não menos
visitados). Concedo que também é ótimo poder pegar um voo de três quartos de
hora e pousar no Rio de Janeiro, mas as saudades do Rio eu deixo para outro
texto.
- Por fim, acima de tudo isso, das paulistanas e
paulistanos, porque não se sai de um relacionamento tão intenso de três décadas
sem criar raízes. Imagine fazer todas essas coisas supostamente legais listadas
aí em cima sem companhia - pior ainda quando olho para trás e vejo que tive a
sorte de encontrar aqui gente tão generosa e interessante, disposta a
compartilhar de sua alegria de viver. Este humilde texto é, no fundo, uma
homenagem a todos vocês.
Luciano Sobral - Trabalha como economista para financiar a humilde missão de conhecer o mundo